Os dados revelados pelos jornais O Globo e Folha de S.Paulo sobre os gastos da COP30 acendem um alerta grave sobre planejamento público, eficiência administrativa e prioridades políticas no Brasil. De acordo com as reportagens, o governo federal já gastou R$ 787 milhões dos R$ 1 bilhão previstos apenas com a organização do evento — antes mesmo de considerar gastos paralelos e infraestrutura indireta. A informação aparece tanto em O Globo (18/11/2025) quanto na Folha, que destacam a mesma cifra alarmante: quase todo o orçamento consumido e um cenário de estrutura precária, improvisada e alvo de críticas internacionais.
Ambas as reportagens relatam que a conferência enfrentou problemas de infraestrutura que se tornaram assunto mundial: calor extremo sem climatização adequada, banheiros sem água, falhas estruturais e relatos de goteiras mesmo em áreas recém-instaladas. A ONU, segundo O Globo, chegou a pedir correções imediatas após constatar risco de colapso logístico e constrangimento diplomático.
Ao analisar como esses valores foram gastos, fica evidente que parte significativa do orçamento público foi executada sem licitação tradicional, utilizando mecanismos legais de dispensa, inexigibilidade e, principalmente, convênios com organismos internacionais. Esse é o caso dos mais de R$ 480 milhões destinados à OEI (Organização dos Estados Ibero-Americanos) — entidade sediada em Madri, Espanha, cuja contratação permite que as compras sejam realizadas pelas próprias regras da organização, e não pela Lei 14.133/2021. Embora essa prática seja legal, ela reduz a transparência, dificulta o controle social e cria opacidade sobre valores e critérios de contratação, como apontam especialistas citados na Folha.
Outros contratos, como o firmado com a empresa DMDL — responsável por parte da montagem e apoio logístico — também foram feitos via dispensa de licitação por “urgência”, apesar de o evento ter sido anunciado com anos de antecedência. O argumento da urgência, embora previsto em lei, evidencia falhas graves de gestão, organização e planejamento, pois converte o atraso público em justificativa para contratações aceleradas, caras e sem competição de mercado.
Diante desse cenário, surge uma reflexão inevitável: o que poderia ter sido feito no estado do Pará com os R$ 787 milhões já gastos na COP30? A resposta escancara uma realidade desconfortável. Com tal montante, seria possível construir até 10 hospitais regionais, reformar ou ampliar dezenas de escolas, adquirir milhares de ambulâncias e viaturas, implantar iluminação pública em toda a Região Metropolitana de Belém, modernizar sistemas de videomonitoramento, pavimentar milhares de ruas e promover melhorias estruturais profundas em saneamento, habitação e logística — áreas onde o Pará figura entre os piores indicadores do país.
Em vez disso, o que a população recebeu foram estruturas temporárias, contratações aceleradas, falhas logísticas e um evento que, segundo a própria imprensa nacional, deixou pouco legado concreto e gerou desgaste à imagem do país. A Folha de S.Paulo destaca, inclusive, que o governo cogita aplicar sanções administrativas contra empresas responsáveis por falhas, o que reforça a percepção de improviso e desgoverno.
O contraste entre o valor gasto e o retorno social é gritante. A COP30 — que deveria ter se consolidado como um símbolo global de sustentabilidade, transparência e respeito à Amazônia — acabou sendo lembrada, para muitos, como uma oportunidade perdida. Com recursos capazes de transformar o estado, optou-se por investimentos efêmeros, estruturas provisórias e decisões questionáveis, com pouca conexão com as necessidades reais da população paraense.
O ponto central não é ser contra a realização da conferência. O problema está na forma como ela foi executada: com baixa eficiência, alta opacidade e prioridades desalinhadas. Quando mais de R$ 787 milhões desaparecem em estruturas temporárias enquanto hospitais, escolas, estradas e serviços públicos seguem em colapso, a pergunta não é apenas “quanto custou?”, mas “para quem serviu?”.
Em última análise, os gastos da COP30 revelam um padrão de gestão pública onde o espetáculo muitas vezes se sobrepõe ao legado — e onde a oportunidade de transformar a Amazônia se perde em meio a contratos, improvisos e decisões mal explicadas. O debate precisa continuar, porque o impacto desse modelo não termina com o fim da conferência: ele se estende por anos na vida de quem mais precisa de investimentos que realmente façam diferença.
Fonte das informações:
O Globo / Folha de São Paulo / Revista OESTE